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PREFÁCIO

Ilana Katz

Christian Dunker

Emília Broide

Aqui estão reunidos a maior parte dos trabalhos apresentados no 'Colóquio Psicanálise nos Espaços Públicos', realizado no Instituto de Psicologia da USP, entre os dias 22 e 23 de março de 2018.

 

A experiência da “Clínica do Cuidado” coordenada por Christian Dunker e Ilana Katz, realizada em Altamira, e, a modalidade de intervenção nas urgências sociais, proposta por Emília e Jorge Broide, que constitui “A psicanálise nas situações sociais críticas” realizada em diversas cidades do país, apresentaram-se como abordagens de território, assumidas por psicanalistas e que convidaram, para um fórum de debates e para uma plenária, outros analistas que se articulam à experiências clínicas nos espaços públicos das cidades.

Desafiados pela proposição de Lacan (1953), de que: "Deve renunciar à prática da psicanálise todo analista que não conseguir alcançar em seu horizonte a subjetividade de sua época", os trabalhos aqui reunidos relatam as práticas, as intervenções e suas referidas compreensões sobre temas como as noções de território, de clínica, de sofrimento e também a ideia do que seria o espaço público a partir da experiência psicanalítica.

Como o leitor poderá confirmar, os ordenadores teóricos de cada clínica aqui apresentada não são necessariamente os mesmos, tampouco tem o mesmo valor e maturação em cada trabalho. Cada um dos projetos se apresenta em sua condição de se dizer, seja pelo caso ou pela descrição do dispositivo proposto, referido ao tempo próprio de sua realização em um momento crítico da história brasileira. O que há em comum, é a proposição de intervenções clínicas em espaços públicos que, por sua realização, interrogam e testam os limites de garantia do que aprendemos a referir como o setting clássico na aventura da psicanálise.

Certos de que esse passo que a clínica dá, em direção ao que chamamos de espaço público, não se faz sem os agentes sociais que compõem os territórios abordados, no tempo de realização do Colóquio, pretendemos reunir-nos entre psicanalistas para que exercitássemos o efeito da leitura de uma experiência sobre a outra, num esforço de contingencimento da psicanálise em um campo de ação. Se cada psicanalista testemunha de sua ação um a um, sua presença na polis é necessariamente compartilhada.

Desde a Clínica de Berlim, os psicanalistas se perguntam sobre a centralidade do pagamento na intervenção da clínica. Por essa razão, por termos experimentado e pensado nossas experiências, hoje nos é possível entender que ocupar o espaço público não é a mesma coisa do que retirar o dinheiro do desenho do dispositivo de escuta. A operação é muito mais complexa e, a cada vez, precisa ser reconsiderada em relação aos elementos contingenciais que se apresentam como condicionantes das experiências. Em um momento de deflação e recuo das políticas públicas, há que se questionar as vias e os princípios do poder que regulam o interesse público mais além do Estado e da empresa.

É preciso encontrar os meios e as condições para que o comum se sustente. Isso é um trabalho de invenção que tentamos agrupar de modo sinóptico em nossa pequena jornada. Sustentar uma experiência depende de um discurso e da necessidade que ele impõe. A psicanálise é também a experiência de invenção de um laço social inédito, por isso ela se impõe a partir do inconsciente sem fronteiras, mas não sem litorais. Foram estes litorais de escuta que convocamos e que pretendemos dar voz ao longo destes escritos de valor sintético.

O entendimento sobre os modos de ocupação do espaço público se anuncia como tema que pede reflexão. Se, no campo da saúde, nos habituamos a pensar no Estado que, para garantir certos direitos sociais, oferece serviços públicos que dispensam o pagamento direto do usuário, e, se mais recentemente, acompanhamos a institucionalização de ações privadas que também oferecem serviços e atendimentos que dispensam o pagamento direto dos beneficiários, hoje precisamos considerar a medida do interesse de cada ato, e sua determinação em relação ao laço social, que, obviamente, não se resolve na dimensão da gratuidade. À questão do pagamento, soma-se uma diferença de entendimento da relação de fronteira entre as dimensões de público e privado, à qual a noção de interesse público impõe a elaboração da experiência de litoral.

A ideia de interesse público vem compor isso que referimos como espaço público para redimensionar as experiências de ocupação. Como nos posicionamos em relação a isso? Como as intervenções que propomos discutem esse tema? Esse foi um ponto importante de reflexão que, na condição de curadores do evento, alcançamos depois de ouvir cada um dos participantes das mesas, bem como as intervenções realizadas pelos participantes da plenária.

Hoje, um ano depois do encontro, um ano que fez girar a história e a relação do Estado com o interesse público na instituição de suas políticas, recolocamos a importância dessa discussão. Retomar a fundamental diferença entre gratuidade e caridade a partir da referência do que constitui a natureza do interesse que sustenta cada uma dessas intenções, demanda a regulação da atividade privada da boa vontade em seu belo e nada recatado exercício de poder. Demanda a diferenciação fundamental da extensão e da abrangência da caridade e da produção de políticas públicas que sustentem os passos da constituição do comum.

Ainda está por se formular uma política que coloque em sua cúspide a ética da psicanálise e, em seu horizonte, a subejtividade de sua época. A função social do psicanalistas, desde sempre, coloca um desejo atópico e uma implicação com o resíduo das operações civilizatórias. A radicalidade do engajamento dos psicanalistas, que aqui dão testemunho de seu trabalho, torna-se testemunho do risco que todas experiências originais não podem se furtar.

Texto na íntegra

http://newpsi.bvs-psi.org.br/eventos/Psicanalise_espacos_publicos.pdf

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